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Breves considerações sobre o ‘stalking’: o crime de perseguição

No Brasil, a partir da sanção da Lei n. 14.132/2021, foi tipificado o crime de stalking. “Stalking, palavra de origem inglesa, é a conduta que tem a definição léxica de “caçar à espreita”, ou seja, assemelha ao modus operandi de um animal que se esconde, estuda e age sorrateiramente, sem ser notado por sua presa. Trata, na prática, da conduta de alguém que, obcecado por outrem, estuda minuciosamente os hábitos e preferências dessa pessoa a vigiando e observando.” (Sydow; 2021, p. 550).


O tipo, então, trata de perseguição reiterada, por qualquer meio, que ameaça a integridade física e psicológica de alguém, interferindo na liberdade e na privacidade da vítima, para este tipo a lei prevê pena de reclusão de seis meses a dois anos e multa, mas pode chegar a 3 anos (três) com as agravantes previstas.
Anteriormente o stalking era tratado como perturbação da tranquilidade alheia, previsto na Lei das Contravenções Penais – LCP, e possuía pena de prisão de 15 (quinze) dias a 2 (dois) meses ou multa. A Lei n. 14.132/2021 revogou essa parte da LCP.


O crime é de ação penal pública condicionada à representação da vítima, o prazo para representar é de seis meses desde a data que tomou conhecimento da autoria das perseguições, sob pena de decadência de seu direito. Razão pela qual as vítimas devem sempre registrar a ocorrência em Delegacia, seja esta especializada ou não, e buscar a orientação de um advogado.


Os motivos dessa prática são os mais variados e incluem desde violência no âmbito doméstico a inveja, vingança, ódio ou, por vezes, até a pretexto de brincadeira. Diversas são as táticas de perseguição utilizadas, por exemplo excesso de ligações telefônicas, envio de mensagens por SMS, aplicativos ou e-mails, publicação de fatos ou boatos, remessa de presentes, espera da passagem da vítima pelos lugares que frequenta, dentre outras.


Não há desconhecer, todavia, que, atualmente, a prática do stalking por meio virtual é a mais comum, o cyberstalking, então, é a perseguição realizada por intermédio da internet, seja por redes sociais, e-mails, blogs etc.
À título de ilustração, o seriado You, da Netflix, retrata a conduta aqui analisada. O protagonista da história, Joe — um psicopata e stalker —, que gosta de perseguir mulheres de forma incessante, interfere nas vidas de suas vítimas sem que elas percebam, invadindo redes sociais das mulheres pelas quais supostamente se apaixona; descobrindo onde elas moram, acompanhando-as em cada passo dão, até conseguir envolvê-las sentimentalmente. Tão logo elas percebem a situação, e tentam reagir, Joe opta por matá-las e/ou machucá-las de outra forma, deixando consequências físicas e psicológicas irreparáveis às suas vítimas.


Apesar de tratar de um seriado fictício, a realidade de muitas pessoas, em especial mulheres, são afetadas por condutas similares. Desde a criminalização da prática, foram registradas 686 queixas (no período de um mês) em São Paulo, 162 na Bahia no mesmo período e mais de 240 no Distrito Federal (no período de dois meses).
Em decisão unânime prolatada neste mês, a 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP manteve a condenação de um homem que perseguiu a ex-namorada por não aceitar o término do relacionamento, incorrendo no crime de stalking.


Conforme os autos, após a separação, o réu passou a enviar ameaças à vítima por mensagens de áudio no celular. O homem também foi ao local de trabalho da vítima e ameaçou divulgar fotografias íntimas dela na internet. A partir daí a vítima precisou bloquear o acusado em todos os meios de comunicação para cessar o contato e, mesmo assim, restou com a dificuldade em sair de casa e ir ao trabalho por medo das perseguições continuarem.


Vale ressaltar, contudo, que o stalking não é caracterizado por uma única ação, mas por várias condutas reiteradas e imprevisíveis, que impactam a saúde física e mental, o bem-estar emocional e o estilo de vida da vítima.
No estilo de vida, citem-se como consequências a necessidade de alteração de rotinas diárias, o abandono ou redução dos contatos sociais; mudança de cidade, residência, carro, e/ou emprego; aumento de despesas em resultado da necessidade de adquirir ou reforçar medidas de segurança; redução no rendimento/produtividade profissional e/ou escolar.


Já os danos causados à saúde física, incluem distúrbios digestivos; alterações de apetite; náuseas; dores de cabeça; insônias; pesadelos; fraqueza; cansaço, exaustão, e alterações na aparência física.
Na saúde mental e no bem-estar emocional, relatam-se: medo; culpa; desconfiança; sensação de perigo iminente; sentimentos de abandono; desânimo; perturbações de ansiedade, como Perturbação de Stress Pós-Traumático – PSPT; depressão; tentativas de suicídio; aumento do consumo de medicação ou automedicação.


Ou seja, hodiernamente, com o avanço das tecnologias e o uso em massa de redes sociais, novas formas de crimes foram surgindo e, a sanção da referida lei é um dos passos que levam a modernização do Código Penal, apto a dar mais segurança à coletividade acerca de um crime que muitas vezes começa por meios digitais e migra para perseguição física.

Daniel Damasceno Kawachi

OAB/AM 17.523