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O Testamento Como um Instrumento para o Planejamento Sucessório

Pensar no que acontecerá com o seu patrimônio após a sua morte nunca é uma tarefa agradável, entretanto, um bom planejamento sucessório poderá economizar tempo, dinheiro e algumas burocracias durante a sucessão patrimonial. Conforme explicado em artigo anterior, há várias ferramentas que podem ser utilizadas para esse planejamento, dentre as quais cabe maiores esclarecimentos sobre o Testamento.

O testamento é um dos instrumentos de planejamento sucessório mais comuns que existe, consistindo em um documento por meio do qual uma pessoa, chamado de testador, registra a forma como quer que seu patrimônio seja distribuído após a sua morte. Sem um testamento, tudo que a pessoa deixar será distribuído pelos critérios legais, isso pode levar a um processo demorado e com maior possibilidade de disputa entre os herdeiros.

Ao contrário do que muitos imaginam, o testamento não tem cunho apenas patrimonial, possuindo outras funções, como aspectos de divisão de bens, imóveis, carros, empresas, ações e questões não patrimoniais. Ou seja, é possível adicionar pontos pessoais para serem cumpridos após a morte, sendo assim, o documento pode ser usado para manifestações de vontades. A título exemplificativo, você pode condicionar o uso de um bem, como direcionar a parte de uma empresa ao pertencimento do seu filho apenas se ele concluir a graduação do ensino superior, fazer o reconhecimento de paternidade de filho que ainda não havia sido registrado, pode realizar confissão de dívidas, nomear tutor, destinar herança a pessoas jurídicas e a fundações, destinar herança a pessoas ainda não concebidas, desde que vivas no momento da abertura da sucessão, etc.

Há diversos modelos de testamentos que atendem a propósitos específicos, em especial têm-se: o testamento público, particular, cerrado e o codicilo.

a) Testamento Público

Esta é a forma mais usual de testamento e apesar do nome sugerir o contrário, o testamento público é sigiloso. Apenas o testador, as testemunhas e o tabelião tomam conhecimento daquilo que foi testado. Além disso, o registro disponível no cartório aponta apenas que a pessoa deixou um testamento, mas o conteúdo desse documento só será revelado aos herdeiros após a devida apresentação de seus documentos junto a certidão de óbito do testador. Assim, o objetivo da confidencialidade é evitar que surjam conflitos entre os herdeiros ou entre eles e o testador. Além, é claro, de permitir que o documento seja alterado a qualquer momento.

Para elaborar um testamento público, o interessado deve ser maior de 16 anos e capaz. Nesse caso, ele deve se dirigir até um Cartório de Notas e expressar sua vontade ao tabelião. No local, o instrumento é lavrado no livro de notas, lido em voz alta na presença de duas testemunhas, e assinado pelo testador, por elas e pelo tabelião. Essas testemunhas, por sua vez, deverão ser maiores de 18 anos e não ter grau de parentesco com o testador ou com seus herdeiros. Quando o testador vier a falecer, haverá procedimento judicial. Por ele, o juiz determinará a abertura do testamento e o devido registro em cartório. É só a partir daí que o documento começa a produzir seus efeitos.

Salienta-se que para o cego esta é a única forma de testamento permitida.

b) Testamento particular

Esse é o testamento escrito e assinado pelo próprio testador, devendo ser pessoa capaz nos termos do código civil, na presença de, pelo menos três testemunhas, que também assinarão o testamento, sendo que estas não poderão receber parte da herança.

Apesar de possuir a vantagem de ser mais barato, já que dispensa os serviços do cartório, este tipo de declaração é mais frágil, pois o documento não deixa registro público da sua existência e ainda precisará ser confirmado judicialmente. Veja bem: uma vez falecido o testador, um juiz precisará tornar o testamento público e convocar herdeiros e testemunhas. Assim, somente após recolhidas as provas necessárias acerca da validade do testamento é que ele é confirmado e começa a produzir efeitos.

Destaca-se que apesar de o código civil determinar que é necessária a assinatura de próprio punho ou mediante processo mecânico para o testamento particular ter validade, nota-se que o STJ, no REsp 1.633.254-MG, visando a preservação da manifestação da última vontade do testador, autoriza outras formas de reconhecimento da validade do testamento particular elaborado, tendo no caso destacado o testamento sido reconhecido como válido mesmo contendo apenas a impressão digital do falecido.

c) Testamento cerrado

Esse é um modelo de documento um pouco parecido com o testamento particular, mas diferente pela forma de atestar sua validade. O testamento cerrado será lavrado sigilosamente pelo testador ou pelo testamenteiro, após o documento será entregue ao tabelião na presença de duas testemunhas para que seja aprovado. O auto de aprovação será assinado pelo tabelião, pelas testemunhas e pelo testador.

Ele se chama testamento cerrado porque o tabelião não acessa o conteúdo do documento nem arquiva cópia dele, apenas lacra e costura o documento. Quando o testador vem a falecer, o documento é apresentado ao juiz que determina sua abertura. Assim, se o documento tiver o lacre violado ou houver qualquer indício violação ou falsidade, o testamento perde validade.

d) Testamento de codicilo

O testamento codicilo é o ato de última vontade, quando uma pessoa, antes de falecer, faz algumas disposições especiais, doando móveis, roupas ou joias, ou mesmo determinando a substituição de herdeiros. É um modelo que está em desuso, embora tenha sido mantido no Código Civil.

O documento mostra apenas as últimas vontades no leito de morte, sendo elas de interesse pessoal, não podendo, assim, dispor de bens mais valiosos, como imóveis ou contas bancárias. O requisito para o codicilo é ser escrito de próprio punho, ou digitalizado, se for o caso, mas assinado pelo testador com a inserção da data em que foi redigido para que possa ser validado.

Em todas as formas de testamento debatidas é permitida a distribuição dos bens de acordo com a vontade do testador, entretanto, a legislação prevê limitações a que parte da herança pode ser incluída no testamento.

No sistema jurídico brasileiro, diferentemente de outros como o norte-americano e inglês, há uma proteção maior a legítima (parte da herança destinada por lei aos herdeiros necessários), constituindo metade dos bens da herança, conforme art. 1.846 do Código Civil, não podendo essa parte da legítima ser incluída no testamento, como determina o art. 1.857, § 1º, do referido diploma legal.

Logo, é sobre os outros 50% do patrimônio que se pode fazer o testamento, direcionando esses bens a quem se desejar, podendo inclusive destinar esse montante para ser doado a caridade, por exemplo, ou deixada para um amigo, sobrinho etc.

Porém há duas possibilidades de dispor de todo o patrimônio no testamento, sendo a primeira caso o testador não tenha herdeiros necessários vivos e a segunda se refere ao caso em que, estando os herdeiros necessários vivos, o testamento, para tratar de todo o patrimônio, deverá respeitar a parte destinadas a estes herdeiros, conforme reconhecido pelo STJ no julgamento do REsp 2039541 SP 2022/0362969-0.

Ademais, querendo tornar ineficaz a manifestação da sua vontade, é permitido ao testador revogar total ou parcialmente o testamento por ele elaborado.

Por fim, observa-se que mesmo que o testamento seja um dos instrumentos de planejamento sucessório mais simples, podendo inclusive ser providenciado sem advogado, a sua elaboração deve ser feita considerando todo o ordenamento jurídico, respeitando as solenidades de cada forma de testamento, sob pena de assunção do risco de futura declaração de nulidade do instrumento e frustração do alcance do testador.

Luiz Felipe Araújo Moreira
OAB/AM 16.478