A desconsideração da personalidade jurídica é um mecanismo legal que permite que os tribunais ignorem a separação entre a pessoa jurídica (empresa) e os seus sócios ou acionistas em determinadas situações. Isso é feito para evitar abusos ou fraudes que poderiam prejudicar credores ou terceiros.
O objetivo principal da desconsideração da personalidade jurídica é garantir que a estrutura jurídica da empresa não seja usada indevidamente para escapar de responsabilidades legais ou para prejudicar terceiros. Isso significa que, em algumas situações, os bens pessoais dos sócios ou acionistas podem ser usados para satisfazer as obrigações da empresa.
Existem diferentes critérios e teorias em relação à desconsideração da personalidade jurídica. Vou explicar brevemente essas teorias:
Teoria Maior
Subjetiva: Nessa formulação, a desconsideração da personalidade jurídica requer a comprovação de que houve fraude ou abuso de direito por parte dos sócios ou administradores. Ou seja, é necessário demonstrar a intenção deliberada de cometer uma fraude ou manipulação.
Objetiva: Nesse caso, a desconsideração ocorre independentemente da comprovação de fraude. Basta demonstrar a existência de confusão patrimonial entre os bens da empresa e os bens dos sócios, o que pode resultar em prejuízo para credores ou terceiros.
Teoria Menor
A teoria menor se aplica mais especificamente ao inadimplemento das obrigações da sociedade, sem necessariamente envolver fraude ou confusão patrimonial. Aqui, os sócios podem ser responsabilizados por dívidas da empresa simplesmente por serem sócios, não necessitando de um nível tão alto de evidência como na teoria maior.
A Teoria Menor, acima explicitada, encontra-se prevista no §5°, do artigo 28, do CDC, cuja incidência justifica-se pelo fato da personalidade jurídica apresentar uma dificuldade em ressarcir os prejuízos causados aos consumidores. Tal dispositivo legal suscita diversas discussões acerca de sua aplicação.
No julgamento do REsp n. 1.766.093/SP, por exemplo, abordou-se a questão da inclusão dos membros do conselho fiscal de uma cooperativa habitacional, no polo passivo de uma ação de rescisão contratual com pedido de restituição de valores pagos, em fase de cumprimento de sentença.
No referido julgado, foi enfatizado que todas as considerações sobre as regras aplicáveis às sociedades cooperativas tiveram o único propósito de estabelecer a premissa de que os membros do conselho fiscal desse tipo de sociedade, em geral, não exercem atos de gestão. Portanto, para responsabilizá-los, seria necessário comprovar indícios de que eles contribuíram, ao menos culposamente e com desvio de função, para a prática de atos de administração.
Também foi destacado que, de acordo com a doutrina, mesmo que seja possível considerar o § 5º do art. 28 do CDC como uma hipótese autônoma e independente daquelas previstas em seu caput, a desconsideração da personalidade jurídica, mesmo nessa hipótese, só pode atingir pessoas encarregadas da gestão da empresa.
Dessa forma, a chamada Teoria Menor da Desconsideração da Personalidade Jurídica, prevista no § 5º do art. 28 do CDC, apesar de dispensar a prova de fraude, abuso de direito ou confusão patrimonial, não permite responsabilizar pessoalmente: I) aqueles que não fazem parte do quadro societário da empresa, mesmo que atuem como gestores, e II) aqueles que, embora sejam sócios, não desempenham atos de gestão, independentemente de a empresa ser constituída sob a forma de cooperativa ou não.
Vale ressaltar que a desconsideração, mesmo sob a vertente da Teoria Menor, é uma exceção à regra da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, considerada um “instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos” (art. 49-A do Código Civil, incluído pela Lei nº 13.874/2019). Isso justifica uma interpretação mais restritiva do art. 28, § 5º, do CDC.
Talita Neves Sgarioni
OAB/AM 15.196