Prestigiando a proteção à livre concorrência assegurada pela Constituição da República (art. 170, IV) e buscando reparar de forma mais satisfatória danos sofridos por empresas em decorrência de práticas concorrenciais proibidas, a Lei 14.470/2022 altera a Lei de Defesa da Concorrência (Lei 12.529/2011) e estabelece o ressarcimento em dobro do prejuízo sofrido por empresas vítimas de cartéis, prática anticoncorrencial que consiste, em síntese, em um acordo de cooperação entre empresas para controlar um mercado, determinando preços e limitando a concorrência.
Diante da proteção Constitucional da Concorrência, a Lei 12.529/2011 criou o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC que é composto pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade e pela Secretaria de Promoção da Produtividade e Advocacia da Concorrência (Seprac) do Ministério da Fazenda.
A Lei de Defesa da Concorrência já oferecia uma complexidade de medidas repressivas e proibitivas para assegurar a livre concorrência de mercado, no entanto a alteração legislativa inova ao facilitar o caminho para as ações privadas de reparação, como ações de responsabilidade civil por perdas e danos decorrentes de ilícitos concorrenciais, complementando a ação Estatal com pena civil para tentar tornar financeiramente inviáveis práticas anticoncorrenciais.
Como se sabe a Responsabilidade Civil tem multifunções, e, além do caráter inerentemente reparador que busca recompor o dano causado reequilibrando patrimonialmente as partes, também pode ser punitivo, como penalidade cível ao infrator com objetivo de desestimular condutas ilícitas e caráter precaucional como forma de inibir atividade com potencial danoso.
Nota-se, claramente, a opção do legislador pela aplicação de “punitive damages”, de forma similar ao já aplicado pelo Código de Defesa do Consumidor quanto à repetição de indébito, ou seja, o pagamento em dobro do que for cobrado indevidamente (CDC, art. 42, parágrafo único), desabonando e desencorajando a repetição do ilícito, oferecendo uma recompensa à vítima pela ilicitude da conduta do infrator que não se confunde com a função reparatória da responsabilidade civil cujo objetivo é a de recompor o efetivo prejuízo suportado, sendo verdadeira penalidade civil imposta ao do ilícito.
Os múltiplos indenizatórios, como é o caso da alteração trazida pela Lei 14.470/22, que determina o ressarcimento em dobro às vítimas de infração contra a ordem econômica, buscam além de reparar os danos suportados, desincentivar a prática de ilícitos, indo além da usual tentativa de reestabelecer a situação prévia do prejudicado pela simples restituição do prejuízo, impondo pena privada além de quaisquer outras penas administrativas e penais eventualmente impostas.
Nesse sentir, alguns juristas, como Nelson Rosenvald, fazem interessantes considerações sobre instituto conhecido no direito anglo-saxão como múltiplos indenizatórios (enhanced damages) e a já conhecida indenização punitiva (punitive damages). Tratando-se o primeiro de instituto simultaneamente compensatório e punitivo necessariamente atrelado à conduta dolosa e maliciosa do agente, apontando certa similaridade entre eles e até mesmo que os múltiplos compensatórios surgem como uma variação da já prestigiada indenização punitiva, no entanto, aponta também que a questão é paradoxal e desafiadora para a doutrina brasileira.
Analiticamente, apesar da alteração legislativa trazer mais severidade quanto à responsabilidade civil atrelada à ilícitos concorrenciais, a lei traz critérios objetivos de fixação de danos punitivos, determinando especificamente que a indenização será o ressarcimento equivalente ao dobro do prejuízo sofrido, portanto, parâmetro tangível de fixação, o que implica, certamente, em maior segurança jurídica e assertividade às decisões judiciais futuras.
Juliana Brito da Cruz
OAB/AM 14.465