No momento você está vendo A Responsabilidade Civil do Sócio Retirante na Sociedade Limitada à Luz do Código Civil Brasileiro

A Responsabilidade Civil do Sócio Retirante na Sociedade Limitada à Luz do Código Civil Brasileiro

A retirada de um sócio de uma sociedade limitada não é um ato desprovido de consequências jurídicas, especialmente no que diz respeito às obrigações assumidas pela empresa perante terceiros. A legislação brasileira trata com cautela a figura do sócio retirante, a fim de resguardar a segurança jurídica dos credores e preservar a higidez das relações comerciais. O Código Civil, ao disciplinar a matéria, estabelece regras específicas para definir os contornos da responsabilidade civil daquele que se desliga do quadro societário.

O ponto de partida para a análise está no art. 1.003, parágrafo único, do Código Civil, segundo o qual “até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, permanece o sócio retirante responsável pelas obrigações sociais contraídas até a data da averbação.” Essa norma introduz o que se convencionou chamar de responsabilidade residual do sócio retirante. Ou seja, mesmo após a sua saída formal da sociedade, devidamente registrada na Junta Comercial, o sócio continua vinculado às dívidas sociais anteriores por um prazo de dois anos.

Essa responsabilidade, todavia, não é ilimitada. Ela se restringe: i) temporalmente, ao prazo de dois anos contados da averbação da saída no registro público competente; ii) materialmente, apenas às obrigações que tenham sido contraídas pela sociedade antes da averbação da saída e iii) jurídica e processualmente, em regra, à responsabilidade subsidiária, ou seja, o sócio só será acionado se a sociedade, ou os sócios remanescentes, não cumprirem com a obrigação.

Outro dispositivo importante é o art. 1.032 do Código Civil, que complementa a norma anterior e dispõe que, em caso de retirada, exclusão ou morte do sócio, ele e/ou seus herdeiros não estão eximidos de responsabilidade. O sócio continuará responsável pelas obrigações sociais anteriores à sua saída pelo prazo de dois anos após a averbação.

A intenção do legislador em ficar responsabilidade ao sócios retirante é, justamente, evitar que sócios se retirem estrategicamente para se esquivarem de dívidas iminentes deixando os credores sem meios eficazes de cobrança e até mesmo para evitar que se esquivem de obrigações com a própria sociedade como a integralização de capital.

A doutrina, de forma majoritária, compreende que essa responsabilidade tem natureza contratual, já que decorre da condição de sócio que participou da formação e condução da sociedade no período em que as obrigações foram contraídas. Por isso, embora se trate de responsabilidade residual, não se pode dizer que o sócio retirante esteja desvinculado da relação jurídica apenas por sua saída formal.

A jurisprudência, por sua vez, tem conferido interpretação coerente com os princípios da boa-fé objetiva e da função social da empresa. Os tribunais vêm reiteradamente reconhecendo a responsabilidade do sócio retirante nas hipóteses em que a dívida social foi assumida na vigência de sua participação societária, mesmo que a cobrança se dê posteriormente à sua retirada. Contudo, igualmente reforçam que, ultrapassado o prazo legal de dois anos e estando regularmente averbada a saída, cessa toda e qualquer responsabilidade do ex-sócio.

Destaca-se, por fim, que a correta averbação da retirada é condição essencial para a limitação da responsabilidade. A ausência de registro da modificação contratual pode estender indefinidamente a responsabilidade do sócio perante terceiros uma vez que, na ausência de publicidade registral, se continuará presumindo sua vinculação à sociedade.

Em conclusão, a responsabilidade civil do sócio retirante está cuidadosamente delimitada pela legislação civil brasileira. Trata-se de um mecanismo de equilíbrio entre os interesses dos credores e a proteção do ex-sócio, assegurando que este não permaneça indefinidamente vinculado a uma sociedade da qual já se retirou, mas, ao mesmo tempo, garantindo que suas obrigações passadas não sejam simplesmente descartadas com sua saída. Assim, o cumprimento rigoroso dos trâmites legais é essencial para que o desligamento do sócio produza seus efeitos de forma plena e segura.

Juliana Brito da Cruz

OAB/AM 14.465