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O Teletrabalho na perspectiva dos Direitos, Riscos e Responsabilidades na Era Digital

O teletrabalho, popularmente associado ao modelo “home office”, consolidou-se como uma das manifestações mais claras da transformação digital nas relações de emprego, mas sua regulamentação antecede de longe o fenômeno social massificado pela pandemia. Desde a alteração promovida pela Lei nº 12.551/2011, o artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) equipara os meios telemáticos e informatizados de comando e supervisão aos meios presenciais, reconhecendo que a subordinação jurídica não depende da proximidade física entre empregado e empregador. O vínculo, portanto, está na direção e no poder de controle, ainda que exercidos por softwares, plataformas digitais ou comunicação remota.

Com a Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017), o teletrabalho passou a ter disciplina própria no Capítulo II-A da CLT (arts. 75-A a 75-F), que o definiu como a prestação de serviços realizada preponderantemente fora das dependências do empregador, com uso de tecnologias de informação e comunicação, sem caracterizar trabalho externo. A distinção é essencial: o teletrabalho exige um ponto fixo de execução (geralmente o domicílio), enquanto o trabalho externo é itinerante por natureza, como o de vendedores externos, entregadores e motoristas. Essa definição afasta equívocos comuns, como a crença de que qualquer prestação extrapredial se enquadra automaticamente na modalidade remota.

Nesse sentido, tão importante quanto definir o regime é entender que o teletrabalho não reduz direitos, exatamente o contrário, os direitos são os mesmos de um trabalhador normal, como FGTS, férias, 13º salário e demais garantias legais, inclusive, possibilidade de horas extras. Tal observação desmistifica a falsa ideia de que a ausência de presença física no escritório diminuiria custos e obrigações do empregador, pois o local da prestação não altera a proteção jurídica, apenas modifica o formato de direção e controle.

Se a proteção permanece, certas formalidades tornam-se indispensáveis, como a exigência de que o regime de teletrabalho conste expressamente no contrato individual, com a descrição das atividades desempenhadas, o que nos direciona ao entendimento de que eventual mudança de presencial para remoto, ou o inverso, exige acordo entre as partes, aditamento contratual e prazo mínimo de transição (quinze dias). Em situações emergenciais, como ocorreu durante a Covid-19, o TST admitiu a adoção excepcional do teletrabalho sem todas as formalidades prévias, desde que preservados os limites contratuais e legais. A excepcionalidade, contudo, não eliminou a necessidade posterior de regularização.

Um dos pontos mais sensíveis envolve os equipamentos e a infraestrutura, motivo pelo qual o artigo 75-D da CLT determina que o contrato indique claramente quem será responsável por custeio, manutenção e uso de equipamentos, energia, internet e mobiliário necessários à prestação do serviço. Se os equipamentos forem fornecidos pelo empregador, não integram a remuneração do empregado, conforme o parágrafo único do dispositivo. Na prática, a ausência de cláusulas específicas é fonte recorrente de litígio, principalmente quanto ao reembolso de despesas e adequação ergonômica do ambiente doméstico.

Entretanto, nada gera mais debates jurídicos do que a jornada, isso porque o artigo 62, III da CLT excluiu o teletrabalhador do regime de controle de jornada, afastando, em tese, o pagamento automático de horas extras e adicionais. Embora muitos empregadores tenham interpretado essa regra como uma dispensa geral de controle, a jurisprudência adotou uma postura mais técnica, perfilando-se ao entendimento de que se houver meios de controle efetivo, ainda que telemático, o trabalhador terá direito aos adicionais na hipótese de incidência ordinária da norma, isso porque para enquadrar o empregado na dispensa de controle, há necessidade de demonstrar que o serviço por ele realizado é incompatível com a fixação de jornada, além de inexistir, no caso concreto, a efetiva fiscalização e controle do horário de trabalho, sobretudo, considerando que sistemas corporativos, plataformas de login, relatórios automáticos e softwares de monitoramento podem evidenciar controle temporal e descaracterizar a exceção legal. Desta forma, a interpretação da norma deve ser restritiva, ou seja, a exclusão só se aplica quando o controle é de fato inviável, e não quando o empregador escolhe não controlar.

Outro aspecto relevante é a saúde do trabalhador, considerando que o dever de prevenção de acidentes e doenças ocupacionais, previsto no artigo 157 da CLT, continua a recair sobre o empregador, ainda que a prestação se dê no espaço doméstico. No entanto, a jurisprudência entende que não se exige fiscalização física da residência do empregado, no entanto, a empresa deve oferecer orientação formal e documentada, inclusive sobre ergonomia e boas práticas de organização do trabalho, podendo disponibilizar meios adequados quando pactuados.

O teletrabalho, longe de ser apenas uma conveniência tecnológica, representa uma sofisticada reorganização contratual, por meio da qual a flexibilidade espacial não elimina subordinação, assim como a ausência de estrutura formal não suprime direitos e deveres. Nesse sentido, se a tecnologia projetou o trabalho para além da estrutura física da empresa, o Direito do Trabalho reafirmou que os direitos seguem a pessoa e a relação jurídica desenvolvida, sendo o local acessório, portanto, a segurança jurídica no teletrabalho depende mais da clareza do contrato, do respeito à legislação e da compreensão de que as normas trabalhistas continuam hígidas independentemente da forma e local como se desenvolve a atividade laboral, com regras, responsabilidades e limites que embora possam admitir adaptações, não podem ser excluídos ou relativizados de forma desproporcional.

Igor Almeida Rebelo OAB/AM 7.529