No direito societário, o trespasse e a cessão de quotas são duas modalidades distintas de transferência de direitos em uma sociedade, especialmente nas sociedades limitadas e embora ambos envolvam a mudança na titularidade de certos elementos do negócio, suas naturezas e efeitos jurídicos são diferentes. Enquanto o primeiro trata da transferência de um estabelecimento empresarial, de forma onerosa, o segundo refere-se à alteração de titularidade no quadro societário da Sociedade Empresária, mediante um valor monetário estipulado ou não.
Para uma melhor compreensão do objeto do contrato de trespasse é necessário inicialmente abordarmos sobre o estabelecimento empresarial. Este pode ser conceituado como conjunto de bens e direitos que um empresário ou sociedade empresária organiza para exercer sua atividade econômica, nas palavras de Marcelo Barbosa Sacramone (Manual de Direito Empresarial, Ed. Saraiva, 2022, pág. 142):
Como complexo de bens organizado pelo empresário para determinada atividade, o estabelecimento empresarial forma uma unidade abstrata, incorpórea, que transcende a unidade dos bens, materiais ou imateriais, que o compõem. Trata-se de universalidade de fato, definida pelo art. 1.142 do Código Civil, como “todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária”.
O trespasse consiste justamente na transferência desse complexo de bens organizado para o funcionamento de determinada empresa, sendo que a principal característica e objetivo desse tipo de negociação é a continuidade da exploração do negócio.
Logo, quando se fala em negociação de trespasse está se falando da venda de um estabelecimento empresarial como um todo, de um titular para outro, incluindo ativos como mercadorias, instalações, equipamentos, veículos, maquinários (bens corpóreos) e marca da empresa, clientela, patente, ponto comercial, direitos, segredos industriais etc. (bens incorpóreos).
Destaca-se que para que os efeitos dessa venda sejam imediatos e tenham eficácia perante terceiros, é necessário registrar o contrato de trespasse na Junta Comercial e realizar sua posterior publicação na imprensa oficial.
Como se trata de uma negociação complexa, em que todo o fundo de comércio de uma empresa será transferida para outra pessoa, o trepasse gera consequências para ambas as partes do negócio, onde o vendedor, caso tenha dívidas, deverá quitá-las ou conservar bens suficientes para pagá-las, ou então obter o consentimento dos credores para a venda do estabelecimento e também não poderá exercer concorrência ao adquirente pelo prazo de 5 (cinco) anos, salvo se o contrato estipular prazo diferente e o adquirente do estabelecimento empresarial responde pelas dívidas existentes – contraídas pelo alienante –, desde que regularmente contabilizadas, isto é, desde que constantes da escrituração regular do alienante, pois foram essas as dívidas de que o adquirente teve conhecimento no momento da efetivação do negócio (a regra não se aplica para dívida trabalhista nem para dívida tributária)
Portanto, numa negociação por trepasse, o adquirente assume a atividade empresarial como se fosse o próprio titular anterior, onde além da exploração comercial também irá assumir as obrigações e dívidas preexistentes da empresa adquirida.
Em contrapartida, a cessão de quotas, está disciplina nos artigos 1.053 a 1.057 do Código Civil e se trata da transferência de parte ou da totalidade das quotas de uma sociedade limitada de um sócio para outro, seja ele um sócio já existente ou um terceiro. Quotas são a parcela constituída em bens ou dinheiro que cada sócio incorpora para a formação do capital social da sociedade.
Diferentemente do que ocorre no Trespasse, são partes da relação os sócios ou o sócio cedente e o terceiro, ficando a sociedade empresarial alheia nesse sentido, devendo a cessão de quotas ser regulada por um contrato particular, no qual constem todas as cláusulas e condições acordadas pelas partes, sendo que, as condições relativas à transferência de quotas, como formas, valores e exigências, podem ser estipuladas pelos próprios sócios no Contrato Social ou em um Acordo de Sócios.
Como dito, a venda das quotas pode ocorrer para outros sócios da sociedade ou para terceiros, sendo que a principal implicação societária de uma cessão de quotas operada entre sócios é a alteração da participação societária da sociedade e na cessão de quotas para terceiro implica, também, na alteração de seu quadro social. Em ambos os casos será necessário que o Contrato Social da sociedade seja atualizado mediante sua alteração e arquivamento na Junta Comercial competente. Tal fenômeno não acontece na operação de Trespasse, tendo em vista que não há alteração no quadro societário do alienante e adquirente.
Em se tratando de negociação que alterará o contrato social de uma empresa tal contrato gerará obrigações para os envolvidos, onde o cessionário (quem comprou as quotas) assume tanto os direitos quanto às obrigações associadas a elas, incluindo participação nos lucros, voto em assembleias, eventuais dívidas e responsabilidades que possam ter sido acumuladas durante o período de participação do sócio cedente etc., já o cedente (quem vendeu as quotas) responderá, de forma solidária, com o cessionário pelo período de 02 (dois) anos, contados da data de averbação/arquivamento da modificação do Contrato Social na Junta Comercial, por todas as obrigações que tinha até o momento de sua saída, sendo que essa responsabilidade abrange tanto ônus quanto bônus relacionados à condição de sócio.
Por conseguinte, infere-se que a cessão de quotas é usada quando um sócio quer sair do negócio (vender sua parte) ou quando um investidor deseja entrar na sociedade sem dissolvê-la.
Conclui-se então que enquanto o trespasse envolve a venda de um estabelecimento comercial (ativo empresarial), a cessão de cotas refere-se à transferência de participação societária em uma sociedade limitada. O trespasse afeta diretamente a estrutura do negócio, onde haverá a transferência de titularidade do negócio, enquanto a cessão de cotas altera apenas a composição dos sócios, sem interferir na operação da empresa.
Luiz Felipe Araújo Moreira
OAB/AM 16.478
Referências
Manual de Direito Empresarial / Marcelo Barbosa Sacramone. – 3. ed. – São Paulo: SaraivaJur, 2022.
A diferença entre Contrato de Trespasse e Cessão de Quotas? / Felipe Davi Marquezan. Acessado em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/a-diferenca-entre-contrato-de-trespasse-e-cessao-de-quotas/1899291128.