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Compliance e a Nova Lei de Licitações: A Consolidação da Governança Pública no Brasil

A promulgação da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021) representa um importante marco normativo no ordenamento jurídico brasileiro. A nova legislação não apenas sistematiza e moderniza os procedimentos licitatórios, como também incorpora expressamente os princípios de governança, integridade e compliance, se alinhando às práticas internacionais no campo da contratação pública.

  1. Fundamentos do Compliance no Setor Público

Em sentido amplo, compliance refere-se ao conjunto de mecanismos e práticas voltados à conformidade legal, ética e regulatória nas atividades institucionais. No setor público, sua implementação visa assegurar que os agentes públicos e privados observem normas, princípios e diretrizes que regem a administração pública, para evitar desvios de conduta, corrupção, fraudes e ineficiências.

A introdução explícita de governança e compliance na Nova Lei de Licitações é um indicador de um movimento que busca o amadurecimento institucional, exigindo que tanto entes públicos quanto fornecedores adotem padrões mais robustos de integridade. Trata-se de uma evolução do modelo de contratação estatal, passando do foco exclusivamente procedimental para uma abordagem sistêmica, preventiva e orientada à gestão de riscos.

  1. O Papel do Compliance na Nova Lei de Licitações

A Lei nº 14.133/2021, que já é de aplicação obrigatória desde janeiro de 2024, apresenta diversas inovações que tangenciam ou exigem diretamente práticas de compliance. Destacam-se, entre elas:

a) Programa de Integridade como Critério de Contratação O art. 25, § 4º, da nova lei autoriza a exigência, no edital, de programa de integridade por parte da contratada, especialmente nos contratos de grande vulto. Essa exigência deve estar prevista no edital e observar critérios de razoabilidade e proporcionalidade, conforme regulamento específico. A previsão representa um avanço ao estimular a cultura de integridade também entre os parceiros privados da Administração Pública.

b) Gestão por Competência e Governança Pública O art. 11 da norma introduz o conceito de governança nas contratações públicas, vinculando os entes públicos e afins a princípios como a eficiência, a responsabilização e o planejamento. A gestão por competências e a exigência de que os agentes de contratação estejam adequadamente capacitados reforçam o aspecto institucional do compliance, para garantir que os processos licitatórios sejam conduzidos por profissionais tecnicamente habilitados.

c) Prevenção e Gestão de Riscos A análise e a mitigação de riscos surgem como elementos centrais da nova legislação. O art. 169 da lei de licitações determina que a atuação administrativa, inclusive no planejamento das contratações, deve se orientar pela gestão de riscos e pelo controle preventivo. Esta diretriz exige a implementação de estruturas formais de compliance que identifiquem, avaliem e respondam a potenciais ameaças à regularidade das contratações.

  1. Responsabilidade e Sanções: O Compliance como Ferramenta de Redução de Riscos

A Lei nº 14.133/2021 também fortalece os mecanismos de responsabilização dos agentes públicos e privados. O capítulo dedicado às sanções administrativas prevê penalidades severas para empresas que cometam infrações, como impedimento de licitar, declaração de inidoneidade e multa de até 30% do valor do contrato (art. 156).

Neste contexto, a adoção de um programa efetivo de compliance pode atuar como fator atenuante na aplicação das sanções (art. 156, § 1º, III), reforçando a lógica de que empresas que investem em integridade e controle interno são menos propensas a desvios e mais aptas a responder por eventuais falhas.

  1. Reflexos na Atuação Empresarial

Do ponto de vista das empresas que contratam com o poder público, a nova lei exige uma reestruturação interna. A implementação de programas de integridade passa a ser não apenas um diferencial competitivo, mas também um requisito de acesso a determinados contratos. É fundamental que as empresas adotem códigos de conduta, canais de denúncia, políticas de prevenção à lavagem de dinheiro e estruturas de auditoria, dentre outros mecanismos.

A conformidade com a nova lei implica também no reforço dos processos de due diligence, sobretudo em licitações com alto grau de complexidade ou risco. A responsabilização objetiva das empresas, combinada com a possibilidade de responsabilização solidária dos seus dirigentes, reforça a necessidade de controles internos robustos.

  1. O Desafio da Efetividade

Apesar dos avanços normativos, a efetividade das normas de compliance depende de sua aplicação concreta. Muitos entes federativos ainda carecem de estrutura técnica e institucional para implementar os dispositivos da nova lei de forma plena. O risco de uma aplicação meramente formal, sem o comprometimento real com a integridade, permanece presente, exigindo esforços coordenados de capacitação, fiscalização e cultura organizacional que representam um desafio à parte.

A institucionalização das unidades de integridade dentro da Administração Pública e nas empresas privadas licitantes, aliada à atuação dos tribunais de contas e dos órgãos de controle interno, é determinante para que o compliance deixe de ser apenas uma exigência documental e se transforme em uma prática consolidada e funcional.

Conclusão

A Nova Lei de Licitações e Contratos introduz um novo modelo de contratação pública no Brasil, baseado em planejamento, gestão por competência, prevenção de riscos e integridade. O compliance, nesse contexto, torna-se peça-chave na engrenagem da governança pública, operando como mecanismo de controle, transparência e eficiência.

A efetivação dos princípios de integridade dependerá da atuação proativa dos gestores públicos, da reestruturação das organizações privadas que desejam contratar com o Estado e do fortalecimento das instituições de controle. É o início de uma jornada de amadurecimento institucional que exige comprometimento, investimento técnico e mudança de cultura, mas que é indispensável para a consolidação de uma Administração Pública moderna, ética e eficaz.

Juliana Brito da Cruz OAB/AM 14.445