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As consequências da incorporação empresarial de pessoa jurídica acusada de crime ambiental

De início, vale explicar que no Brasil, em virtude de previsão constitucional, existe a responsabilidade penal de pessoas jurídicas por crimes ambientais, independentemente da responsabilização concomitante da pessoa física que agia em seu nome. Antigamente, tanto Supremo Tribunal Federal – STF quanto Superior Tribunal de Justiça – STJ adotavam a chamada teoria da “dupla imputação”, segundo a qual a pessoa jurídica somente poderia ser punida se em conjunto com uma pessoa física. Hoje em dia tal posicionamento não encontra mais acolhimento.
Em julgado datado de agosto de 2022 (3ª Seção. REsp 1.977.172-PR, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 24/08/2022 – Info 746), a 3ª Seção do STJ se deparou com a seguinte situação: determinada pessoa jurídica, ré pela suposta prática do delito tipificado no artigo 54, § 2º, V, da Lei de Crimes Ambientais (Lei n. 9.605/98), em virtude de poluição mediante lançamento de resíduos sólidos, foi incorporada por outra empresa após o recebimento da denúncia. Isso significa que, após absorvida, a pessoa jurídica ré deixou de existir, nos termos dos artigos 227 c/c 219, II, ambos da Lei das Sociedades Anônimas (Lei n. 6.404/76).
A empresa incorporadora, então, impetrou Mandado de Segurança suscitando tese de extinção da punibilidade já que encerrada a personalidade jurídica da incorporada, pedindo aplicação por analogia do artigo 107, I (“pela morte do agente”), do Código Penal.
Neste caso, qual posicionamento deve ser adotado? O processo deve ser extinto ou continua em face da empresa incorporadora? A resposta para tais questionamentos encontra resposta no arcabouço principiológico penal e nos dispositivos legais deste derivados.
Antes, contudo, se faz mister esclarecer que as responsabilidades civil e administrativa podem ser transferidas para a empresa incorporadora, uma vez que esta assume os direitos e obrigações da incorporada. Todavia, somente os direitos e obrigações compatíveis com a natureza da incorporação.
No que se refere à responsabilidade penal, esta não pode ser transferida. É cediço que as sanções criminais não se equiparam às obrigações cíveis, uma vez que seu fundamento jurídico de incidência é diferente. A pretensão punitiva, diferente do vínculo das obrigações cíveis, sujeita não só os bens do acusado, mas também sua liberdade perante o Poder Público.
Sob outro enfoque, adentrando a fase consequencial da tutela penal, verifica-se que a pena possui garantias constitucionais que não existem no campo do direito das obrigações. Uma dessas garantias é justamente o princípio da pessoalidade ou intranscendência, previsto no artigo 5º, XLV, da CF/88: nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido.
Para o Ministério Público, esse princípio não se aplicaria às pessoas jurídicas, destinando-se exclusivamente às pessoas naturais. A 3ª Seção do STJ não entende dessa forma, tendo em vista que o princípio da intranscendência da pena, previsto no artigo 5º, XLV, da CR/1988, tem sim aplicação às pessoas jurídicas, afinal, se o direito penal brasileiro optou por permitir a responsabilização criminal dos entes coletivos, mesmo com suas peculiaridades decorrentes da ausência de um corpo biológico, não pode negar-lhes a aplicação de garantias fundamentais utilizando-se dessas mesmas peculiaridades como argumento.
Vale observar, por fim, que se houver fraude ou único propósito de se isentar da pena, a solução jurídica deve ser distinta. Ora, se no caso concreto houver qualquer indício de que a incorporação esteja sendo utilizada como uma fraude para que a empresa se isente de eventual responsabilização penal, haverá evidente distinção do precedente acima explicado, devendo ser aplicada consequência jurídica diversa. Em caso de fraude na incorporação ou até mesmo em caso de incorporação verdadeira com o fim de se esquivar da pena, será possível desconsiderar ou tornar ineficaz a incorporação em face do Poder Público, de maneira a garantir o objetivo final da tutela penal.
Sendo assim, conclui-se que em razão do princípio da intranscendência da pena, previsto no artigo 5º, XLV da Constituição Federal, extinta legalmente a pessoa jurídica ré por crime ambiental, ou seja, sem qualquer indício de fraude na incorporação, aplicar-se-á analogicamente o artigo 107, I, do Código Penal, com a consequente extinção de sua punibilidade, não se transferindo à pessoa jurídica incorporadora qualquer responsabilização no âmbito criminal.

DANIEL DAMASCENO KAWACHI
OAB/AM 17.523